Entrei no ônibus e torci para ter um lugar vago onde
eu pudesse sentar meus ossos
Tinha um lugar vago bem ao lado de uma gorda, loira e
mal-feita
A loirice dela era vulgar demais e tão verdadeira
quanto Judas
As unhas dela aparentavam uma nojeira
Sentei-me e juro que incomodado estava
Encostar por esbarrão naquela mulher era um exercício
de comunhão bacteriológica
Eis que o celular dela tocou. Era Raimundo (e seria
impossível não saber quem era)
Raimundo deveria ser o namorado ou esposo. E pelo
monossilabismo da conversa que eu captava, tentando interpretar o que falava
Raimundo, presumi que ele estava se desculpando por uma cafajestada qualquer
Conversa findada. A loira suspirou fundo e disse
baixinho: é foda!
De pronto ele tirou de sua bolsa um bombom de
chocolate “Sonho de Valsa” e escreveu em um pedaço de papel em letras
garrafais: AMOR PARA RAIMUNDO.
Ela olhou o bombom, olhou o que escrevera no pedaço do
papel e disse para mim: “esse Raimundo...”
Ela amassou o papelzinho, jogando-o pra fora do
ônibus, e comeu o bombom.