quarta-feira, 2 de maio de 2012

A menina e o coelhinho (poesia)




A pelagem branca
Suas longas orelhas
Seus olhões vermelhos
E seu jeitinho nervosão denunciava:
Eis aqui um coelho.


Sua voz e sua risada
Eram de um ecoar tétrico
Seus cabelos encaracolados lhe davam uma aparência volumosa
Ela era séria e compenetrada
Seria ela uma espécie arquetípica de um algoz?


O bichinho arfava demais
Talvez prevendo desgraça futura
Tentava em vão roer a tela de arame grosso de sua gaiolinha
Provocando ferimentos em seus lábios e língua
Que fazia juntar varejeiras verdes a zum-zar ao redor de sua boca encostrada de sangue


E ela é muito séria e faz de seu labor um ofício sacrossanto
Ela fala poucas palavras com a dureza e rascância de um general
Ordens aqui e ali
Pois ela sabe que o crudelismo do ato que ela fará em breve
Não permite nhém, nhém, nhém


Alçado pelas orelhonas
O coelho que outrora fora branco
Agora está encardido e sujo de merda e mijo
Excitadíssimo, ao menor toque de mão humana sobre sua pele
Ele sente um calafrio mortuário, seco e breve
Antevendo a lâmina afiada do algoz penetrar-lhe sua carne


Mas que nada de lâmina
Das mãos dela só afagos aconchegantes
Por sobre a pelagem fedida de um fedor ocre
E o coelho rogozijando-se, revirando os olhos em um êxtase inenarrável
Êxtase de quem sabe dos toques


O coelhinho parou de respirar nervoso
E aliviou-se ali a sensação da proximidade com a velha da foice
Mas num segundo ouviu-se um “croc”
O “croc” do destroncar das vértebras do pescoço do leporino animal
Desfalecido e todo molengo nas manzorras dela o bicho jazia
E ela ordenava para seu ajudante: “próximo coelho, por favor”

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