sexta-feira, 3 de março de 2017

O carnaval em que perdi a BV (conto 100% ficcional)





Ambiente antropologicamente incorreto para um adolescente perder o cabaço da boca (a BV ou boca virgem). Carnaval tem travesti, doenças venéreas, sapinho, herpes e toda a sorte de mazela infectocontagiosa que um beijo possa transmitir. Mas a perda da minha BV não foi com travesti, tampouco teve consequências bacterianas/virais que pudessem ser transmitidas a posteriori.



Contarei: corria o ano de 1995 ou 1996 e eu estava com 15 ou 16 anos; eu era um cabaço total, fracasso com mulheres (não sabia nem chegar numa mina, imagine beijar). Timidez excessiva ou terá eu gastado minha adolescência lendo Machado de Assis e escutando Elomar Mello, ao invés de frequentar os shows de axé, badalar nas festinhas, enfim, fazer mise-en-scène de idiota para tentar descolar um beijo na boca? 



Voltando à narrativa: carnaval na Bahia e eu expurgando hormônios pelas orelhas. Uma noite que estávamos em casa, jogando um carteado, inventei de beber: suco de maracujá com vodka; no meio da noite, perto das 23h30min, passei mal. O estômago começou a rodopiar na minha barriga; a mistura dos acepipes com o álcool não dera certo e discretamente levantei-me e fui ao banheiro vomitar. No afã de ir aliviar-me, não percebi que ela me olhava com seus olhos verdes, com a má intenção pueril em querer perder a BV com um rapazote mais experiente que os 15 anos dela. Ao passar por ela fiz ventinho que balançou seus cabelos loiros de modo discreto. E ela nem imaginava que eu estava a vomitar, aos jatos, toda a vodka que havia consumido e pensando em deitar-me para dar um jeito nas minhas dores estomacais. Eis que saio do banheiro lindamente, cantarolando uma das duas músicas de axé que acho legais (em 1995/1996 o hit era Beija-Flor da banda Timbalada, que foi lançado em 1993) e ela encurrala-me num corredor, sem dar chance para uma escapatória por minha parte. E ela combinou comigo todo um roteiro Barra-Ondina para o dia seguinte. E eu assenti com tudo e como em slow motion, vi os lábios dela se aproximando dos meus; tudo fluiu às mil maravilhas e a beijei com uma maestria que tirei do cu: até que para uma BV, eu beijei bem. E educado e galante, ofereci-me a levar ela até sua casa, que ficava na mesma quadra que a casa em que perdi a BV. Amores de verão acabam e nunca mais a vi, e só uma única vez pelo finado Orkut, perguntei a ela como tinha sido nosso beijo. 



Eis que ela me diz que foi bom, mas que eu estava com um gosto ácido na boca, lembrando vômito. Era vômito, L.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Morrendo (poesia)






Estavam juntos, loucos de tesão um pelo outro

Eis que do ribombo do trovão, um curto circuito se operou

E umas fagulhas safadas incendiaram o quarto do motel

.
.
.
.

E a cena, tétrica, apareceu num programa policial local

Devidamente tarjada, claro

Mas dava para apreender duas coisas da imagem em “blur”:

Ali jaziam dois corpos carbonizados e

Os corpos estavam num delicioso 69.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Das conversas no Tinder (poesia)





Ela: dormiu bem?


Eu: like a baby!


Ela: traduza, plis.


Eu devaneando, mas não escrevendo: que tipo de pessoa é essa que não sabe um inglês tão elementar?


Eu: igual a um bebê! como um anjo, mas barroco!


Ela: o que é barroco?


Eu, brutal e prontamente, dei um block nela. Não conseguiria ter nenhum tipo de relação com uma mulher que não sabe o que é barroco.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A lágrima do palhaço (poesia) - parte I





(I)


Era eu um menino triste, coitado.
Quase um infante-arrombado, abatido por uma doença aí.
Meu sorriso esbanjava uma melancolia que irradiava de amargura toda a praça.



Um dia meu pai fala: leve esse porra pro circo. Quem sabe lá ele não desanuvia.
Boa idéia, Pai, disse minha irmã: lá tem bicho, trapézio e palhaço.
Palhaços! Pensei eu: isso deve ser chato demais.
Mas...



Fomos para o tal do circo. Não achei graça nos bichos e muito menos nos palhaços.
Uma pessoa que ganha a vida para fazer os outros rirem... Sei não, visse?
Desconfio deveras.
O palhaço tem uma maquiagem pesada, pó de arroz, ruge, carmim...
Para que enfeitar tanto a cara se ele mesmo arqueia a sobrancelha pintada para baixo.
Como se em um desejo auto-afirmativo de “sou triste”.



Triste sina a do palhaço: sem dinheiro, sem mulher, sem carinho, parecendo o José do Drummond.  E tem que fazer os outros acharem graça do seu semblante melancólico.
De sua peruca rota. Dos seus sapatos grandões. De suas vestes em farrapos.



Coitado...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Bipolar (poesia)




Merda, escarro, mijo.

Flores, mel, borboletas.

Vômito, sangue, porra.

Arco-íris, cachorrinhos, chocolate.

Bukowski, Hemmingway, Burroughs.

Drummond, Cecília, Florbela.

Risperidona, Olanzapina, Quetiapina.

Florais de Bach, Reiki, cristais.

Foda-se, FDP, VTNC.

Olá, bom dia, obrigado.

sábado, 5 de abril de 2014

Panos limpos cravados no colchão (poesia)



Não consigo guardar rancores por muito tempo:

perdoei a Mulher de Muitos

perdoei u´a porrada de namoradas

(“porrada” foi dramático demais – umas duas, vá lá)



Um dia irei te perdoar: perdão de verdade

Mas até que esse dia chegue

Quem irá sofrer as consequências da limpeza de panos

- as consequências do corte rasgado -


Será meu colchão, que coitado, pagou o pato por nada.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Louco, eu? (poesia)





Bebendo nas águas da nosologia poética de Agilberto Calaça, O Maluco
atrevo-me a escrever esse poema mal traçado sobre um dos temas
que mais me apraz:
Loucura.


Ergo um brinde a Machado de Assis, que escreveu sobre Simão Bacamarte,
talvez o homem-quintessência dos loucos,
e a Arthur Bispo do Rosário, que viveu e morreu como louco.
Brindo e finco a questão: o que é ser louco?


Não acredito na psicologia, psiquiatria e outras ciências que prescrevam psicotrópicos
para tratar loucos.
O louco nada mais é o que você queria ser: livre e desprendido de paradigmas, que
enclausuram as pessoas ditas normais em caixas pré-fabricadas.


Pessoas normais como eu e você. “Pessoas na sala de jantar” nunca.

domingo, 6 de outubro de 2013

FDP (poesia)





A alvorada é bela
Repleta de tons matinais
De orvalho se desfazendo em vapores
Do carcarejo afoito do galo
Do zumbido dos insetos à busca das flores

-

Mas por favor digam àqueles passarinhos
Todos filhos da puta
Que respeitem o sono do notívago aqui.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Meles (poesia)




Fulano tinha o esperma tão cáustico quanto água sanitária:
- Horrível -



Beltrano tinha o esperma tão salobro quanto soro fisiológico:
- Eca -



Sicrano tinha o esperma tão insosso quanto um prato de alface:
- Sem graça -



  “Sim, e você quer esperma com sabor de meles, é?”, indagou o rapaz à namorada, que era uma quase gourmand de porra.



“Queria o de Ricardo, que era doce e parecia que eu estava a tomar Leite Moça”.



Marcos se resignou sabendo que ela cuspiria sua gala sabor de água mineral com gás morna.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Morte (poesia)




“Morreu de amor”, estava lá escrito na certidão de óbito dele.



                Um emérito bacharel disse que aquela certidão era um absurdo
e que o correto seria assim escrever como causa do óbito: “CID. 146.9 – Parada
Cardíaca Não Especificada”.



“Não Especificada?”, “Blasfêmia”, bradou o doutor legista. “Todo mundo sabe
 que ele amava Raimunda, que morreu semana passada”. “O pobre homem
 não aguentou a falta dela e morreu também”.



“Morreu de amor” ou “Morreu por falta deste”, concluiu.