terça-feira, 1 de março de 2011

Baterista (poesia)


Do menino o sonho: queria tocar bateria em uma banda de rock and roll
Do sonho à ilusão desfeita: esse menino cresceu e aleijava-se aos poucos
Uma neuropatia e só: aos 13 anos as pernas paralisadas


Quando cavalgava a cadeira-de-rodas no incício da puberdade
Já não mais bumbava nem fazia os cimbales chisparem chiados
- os pés já não deixavam -
Mas ele tinha braços bons que socavam com uma brutalidade gostosa
Os ton-tons, a caixa e os pratos de ataque
E a música, embora pessimamente mal executada, ressoava como um terápico
E os vizinhos de R nem se importavam com a barulheira
    - que eles sabiam que seria finita -


Lá pelo final da adolescência, R ainda sustentava seu sonho de ser rockstar
E nem seus familiares se atreviam a dar ao rapaz o terrível prognóstico
E eis que os punchs nas peles já não eram tão poderosos assim
Os braços de R começavam a fraquejar
Ele começava a sentir que seu sonho começava a evanescer
    - como éter em contato com o ar
    que causa um estupor mental e TRANSTORNA tudo em realidade -


Mas o sonho de R se realizara
Não como ele havia arquitetado, claro
Mas uma pequena multidão o carregava ao som do mais pesado rock
E a multidão o deixava em cima do púlpito
Onde ele, R, imortalizava-se
E duas baquetas VicFirth® cruzadas por cima do seu corpo inerte
Envolto em flores, dentro de um caixão, onde se lia numa plaquinha:
“Aqui jaz R, 22 anos. Grande amante da música”

4 comentários:

  1. Inspiração , parece intensa ! Parabéns!

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  2. É que tudo tem começo meio e fim! Mas a memória de R, imorataliza no carinho respeito de quem o conheceu! Acredito que ninguem morra quando vive no coração de alguém!
    XD Abraço.

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  3. Eu gosto de pensar na escrita e me desculpe se tento percorrer os passos do autor. Então, foi assim que percorri teu texto: da sonoridade descrita no início (e os sons da bateria) até o silêncio proposto no triste e ao mesmo tempo
    "barulhento" desfecho da vida de um adolescente. Muito bem escrito.

    Embora você não goste de Clarice Lispector, não tenho como não lembrar de "A Hora da Estrela" e o final da personagem Macabea.

    R, embora em um poema, tem a profundidade dos personagens que um romance requer e me fez pensar nos sonhos que a gente tece e que acabam nos ajudando a viver. Aliás, alguém já falou que o homem é do tamanho do seu sonho. E Mário Quintana também já havia alinhavado: "Uma vida não basta ser vivida... ela precisa ser sonhada".
    Fico com meus sonhos e os sonhos de quem recria vida. Parabéns!
    W.

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