terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O primeiro porre e a merda voadora (conto)

*Optei livremente por não usar a norma culta de ortografia e sintaxe da língua portuguesa

Aracaju-Maceió, 1996. Tem coisas das quais a gente não se esquece. O primeiro porre é uma delas. Eu estava com 16/17 anos e muita pouca experiência nas artes da vida. Quase um infante. Eu costumo falar que um homem só é homem mesmo, no sentido de formação moral não-católica, quando toma um porre, vomita e fica na sarjeta. Uma espécie de batizado de passagem da fase juvenil para a fase adulta. Bom, deixando esse discurso blá, blá, blaico de lado, vamos voltar à história. Uma amiga iria fazer seu aniversário justo no dia em que combinei uma viagem com meus pais para vermos uns parentes nossos. “poxa, Painho, mas não queria perder essa festinha e tal. vamos combinar assim: vocês vão antes, eu fico em Aracaju pra festa e depois vou de ônibus. a gente combina de quando eu chegar em Maceió, na rodoviária, o senhor me pega por lá”. Feito os acertos e dada as recomendações, meus pais viajaram um dia antes e eu fiquei em Aracaju. Massa! Festinha garantida! Comprei uma passagem para as 19 horas do dia da festinha. Como seria um churrasco, teria o dia todo para curtir uma piscina, uma boa carne e uma cerveja. Chegaria (como cheguei) em Maceió às 23 horas e pouco. Dia da festa de aniversário dessa minha amiga e eu, animadíssimo, pulei da cama às 10 horas, tomei um bom banho, arrumei as malas, deixe-as à minha espera para tão logo mais tarde e rumei para a casa dela. Estava eu rodeado de excelentes amigos e comecei a beber cedinho, umas 11 horas mais ou menos. Antes, combinei com o pai dessa minha amiga que um carro da empresa de rádio-táxi dele iria buscar-me a tempo de passar em casa e deixar-me na rodoviária perto das 19 horas, horário de embarque. Cerveja vai, conversa vem, bate papo, piscina, muita carne. Parece que o efeito do álcool nunca chega nessas condições. Bebe-se muito e embriaga-se pouco. A cerveja esvai-se do nosso organismo nas milhares de mijadas que damos no mictório, sempre errando a mira e mijando mais no chão que dentro do vaso. Aviso aos navegantes de primeira viagem: esse efeito da falta de álcool só tem a validade quando do momento em que a piscina torna-se friazinha, suas águas já nos ardem os olhos e a macacada começa a comer aquela carne esturricada que ficou esquecida no cantinho da churrasqueira. Geralmente o efeito ebrius começa a aparecer por volta das 17, 18 horas. Mas que porra! 18 horas foi o combinado com o chofer para ele ir me pegar. Caralho! Vou perder o ônibus. Eu já estava meio sem reação, lerdo de cerveja e carne a atolar o estômago. Por sorte, o pai dessa minha amiga, mui solícito e rápido, conseguiu um carro para mim. O táxi chegou à casa dela às 18:20 horas. Fodi-me, não vou conseguir ir para Maceió hoje! Pensava nisso o tempo todo. Colocaram-me no carro, instruções deram ao motorista e ele foi passar na minha casa para que eu pegasse minha mala. E o banho? Que banho, meu nego, você está com o tempo mais apertado do que cu de sapo. Mas foi o tempo certinho de eu chegar na rodoviária e pegar o ônibus que já estava a partir. Eu estava com o corpo úmido, de calção de banho por baixo da bermuda, cheirando a cloro de piscina, bêbado, com um mal-estar dos diabos, mas feliz. Eu iria viajar dormindo, curtindo um estado de euforia mental, deitado e ainda ia chegar em Maceió com a cara limpa, sem resquícios de ressaca. Ótimo! Mas eu juro que não contava com o péssimo estado da rodovia federal no Estado de Alagoas, nem com meus intestinos e estômagos super-frágeis. No chacoalhar do ônibus, a cerveja e as carnes e as calabresas iam e viam, do estômago para o esôfago, causando-me ânsias de vômitos quase à beira de explodir tudo numa golfada. Minha cabeça parecia o Vesúvio. Uma dor do cacete. E o rapaz ao meu lado dormia o sétimo sono. REM total. E eu estropiado. Metade da viagem (tormento, para mim) e senti uma pontada no intestino baixo, perto do rabo. Lembrei-me que sou “cagarréico” (neologismo: aquele que se caga por comer muita fritura, gorduras, ingerir fermentados etc.). Puta merda! Cagar no ônibus é muito ruim. Mas o que se há de fazer. De modo muito gentil, solicitei licença ao rapaz que viajava na poltrona ao meu lado e fui à direção ao W.C.. Todos dormindo. Nenhum alarde. Beleza! Assim que me sentei, caguei e adormeci naquele gostoso chacoalhar. Dormi uns 20 e poucos minutos. Acordei-me num salto, higienizei o rabo e fui me vestir. Como estava muito alcoólico, pisei no pedal de descarga sem querer, ao aparar-me nas paredes do banheiro para evitar um tombo. Imediatamente senti todo aquele odor ruim de banheiro de ônibus a empestear o pequeno ambiente. Oh, oh! Presenti a seguinte situação (vejam como lógica de bebum não vale um conto sequer): em um grande tombo devido, talvez, a um grande buraco, o ônibus fez com a merda do vaso se espalhasse por todo o W.C.  e, por conta disso, eu estava a sentir aquele cheiro horrendo grudado em meu corpo, em minhas roupas. Óbvio que ao se dar descarga em sanitários de ônibus aquele cheiro de bosta fica on air. Mas eu estava embriagado. Não se esqueçam disso. E com que cara eu iria voltar pro meu assento. Afinal eu me imaginava todo sujo de cocô. Com uma forte vergonha e coragem superior, engoli a resignação e fui arrastando-me ao assento 13. Com muito jeito pedi licença ao rapaz novamente e não resisti. Tinha que relatar o acontecido. Falei: “bicho, aconteceu uma coisa lá atrás. a merda voou no banheiro”. O rapaz retrucou com um “o quê?”. E eu disse novamente: “bicho, o ônibus passou num buraco no momento em que dei a descarga e a bosta voou por todo o banheiro. estou todo melado e fedido. quer ver? dá uma cheirada aqui”. E ofereci meu braço pro rapaz cheirar. O diagnóstico: “velho, você está fedendo a cloro e não a merda. você está é bebum. isso sim”. Puta merda! Fiquei muito aliviado com a constatação lógica do companheiro. E melhor que já estávamos pertinho de Maceió. Sem cheiro de merda, sem atrapalhar o sono dos passageiros e sem constrangimentos, pude ver Maceió crescendo em frente aos meus olhos. Que alívio. Faltava umas três quadras para o ônibus chegar a rodoviária quando um súbito rebolo subiu do meu estômago para minha boca. E lembrei-me que cerveja e carne e balançado são imiscíveis dentro do estômago e seus sucos gástricos. Corri para o banheiro e vomitei uma massa gigante na pia. Mas aquilo tinha um fedor azedo horrível. Meti a mão na torneira e constatei que não mais tinha água. Foda-se, pensava: “estamos a uma quadra da rodoviária e ninguém mais vai usar esse banheiro”. Aliviado do vomitado e esquecido que o exaustor desses banheiros não funciona quando o carro está parado fui inventar de abrir a porta no exato momento em que parávamos em um semáforo. Um cheiro de vômito azedo impregnou as narinas de todos os passageiros. Todo mundo começou a reclamar e uma senhora que estava perto da porta do W.C. golfou toda sua bela refeição no corredor. Um desfecho trágico bem no finalzinho da novela. Ao descer do ônibus os passageiros reclamavam aos céus que uma pessoa tinha vomitado fedorento dentro do carro e que o cara deveria estar bêbado e tal. Fui o último a sair. Com cheiro de cloro, cabelos horrivelmente desgrenhados, olhos esbugalhados, hálito podrido e vendo meu pai, esperando-me, fazendo “tsc, tsc” para mim.

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